Estadão: Cenário setorial/Educação: ainda em fase de aprovação, novo fies já está sob risco
Em: 01 Setembro 2023 | Fonte: Estadão | Broadcast
O Novo Fundo de Financiamento Estudantil (Fies) que está sendo preparado pelo Ministério da Educação (MEC) tem como foco cobrir 100% o financiamento dos cursos, já que atualmente há uma limitação no valor da mensalidade financiada pelo programa.
O Novo Fundo de Financiamento Estudantil (Fies) que está sendo preparado pelo Ministério da Educação (MEC) tem como foco cobrir 100% o financiamento dos cursos, já que atualmente há uma limitação no valor da mensalidade financiada pelo programa.
Hoje, pouco mais da metade dos 100 mil contratos disponíveis por ano são realmente atribuídos a estudantes. Isso porque muitos não conseguem cumprir todos os requisitos - sendo o mais relevante o desempenho no ENEM - ou pagar a parcela da mensalidade que o programa não cobre.
Também chamada de "Fies Social", pelo cunho social prometido pelo atual governo, a nova proposta, que ainda precisa de aprovação no Congresso Nacional, procura resolver esse problema, mas é criticada por parte dos especialistas por não abarcar dois outros grandes desafios do programa: a alta inadimplência e os elevados aportes das Instituições de Ensino Superior privadas, em função da inexistência do limite de teto de aporte a partir do sexto ano do Fundo Garantidor.
O ministro Camilo Santana alega que o programa teve seu papel social distorcido para um papel financeiro e falou, recentemente, em entrevistas, que a nova proposta deve ser encaminhada em breve ao Congresso - só não se sabe ainda se por meio de medida provisória ou projeto de lei, decisão que deve ficar a cargo do Presidente da República. O objetivo do MEC, de acordo com Santana, é "corrigir e garantir que o Fies volte a ser um instrumento de financiamento daqueles que não têm condições de pagar uma universidade".
Fundo Garantidor
O Fundo Garantidor do Fies (FG-Fies) é um fundo de natureza privada em que as instituições de ensino contribuem, junto ao aporte governamental, para cobrir a inadimplência que naturalmente existe em empréstimos - ou seja, é um sistema que funciona como "fiador" dos estudantes, assumindo parte dos riscos das operações de crédito educativo.
As instituições de ensino participam do risco dos financiamentos, aportando um porcentual que varia de acordo com o ano que o estudante do programa está cursando: 13% no primeiro ano; entre 10% e 25% do segundo ao quinto ano, variável em função da evasão e da inadimplência dos estudantes; e, para o sexto e sétimo ano, o mínimo é de 10%, mas não há um teto, variando conforme o volume de financiamento e o score dos estudantes.
“No primeiro ciclo do Fundo Garantidor, o Fies tinha um teto do aporte que as instituições de ensino poderiam se comprometer para manter o aluno. A partir de 2023, esse teto deixou de existir, e hoje tem instituições que estão assumindo quase a metade dos encargos para manter o estudante e podendo assim decidir abandonar o programa”, explica o advogado especialista em Direito Educacional e sócio da Covac Advogados, José Roberto Covac.
Ele comenta que para algumas instituições que entraram no sexto ano de financiamento, o aporte das mantenedoras se tornaram superiores a 40% do valor dos encargos educacionais. "Existem relatos de instituições que estão tendo até 80% de comprometimento dos encargos. Assim, várias mantenedoras passaram, de um mês para outro, a receber porcentuais consideravelmente baixos", diz.
Para o advogado, a retomada de um teto é essencial para reequilibrar a situação. “O Fies Social certamente é importante para retomar o foco da política nos estudantes mais necessitados, mas somente com um teto as instituições terão segurança jurídica e financeira para continuar no programa e a política pública poderá cumprir sua função de ampliar o acesso à educação superior”, defende.
O Fórum das Entidades Representativas do Ensino Superior Privado, grupo que reúne 14 entidades do setor, tem lutado pela aprovação da proposta que limita em 25% o desconto durante qualquer período. A pauta tem encontrado resistência na Casa Civil e no Ministério da Fazenda, que defendem o teto de 40%. "A defesa de um limite menor tem por objetivo preservar a viabilidade de operações das instituições particulares de ensino superior tendo em vista que, uma parcela maior pode provocar a desistência de uma quantidade significativa de faculdades, centros universitários e universidades privadas ao FIES", diz o Fórum.
"Defendemos teto de 25% mesmo depois do quinto ano pois as instituições vem tendo muitas dificuldades para arcar com descontos maiores do que esse porcentual, ainda mais porque a inadimplência é algo que foge ao controle das próprias instituições, que não tem como influenciar no processo de cobrança, que muitas vezes não é feito de maneira eficiente. Caso o desconto seja maior do que 25%, acreditamos que o programa pode fracassar, por desistência das instituições. Queremos um FIES de caráter social, que seja viável para o governo, para os estudantes e, principalmente, para as instituições representadas pelo Fórum", diz o secretário executivo do grupo, Celso Niskier.
Inadimplência
O endividamento dos alunos do Fies é considerado outro ponto-chave na reformulação do programa de financiamento, que já acumula mais de R$ 11 bilhões em dívidas. Até 2022, havia um plano de renegociação de dívidas com estudantes, que venceu em dezembro do ano passado. Agora, o PL 3.016/202, tramitando na Câmara ds Deputados, prevê a ampliação do prazo de renegociação das dívidas até o final deste ano.
O MEC afirmou estar acordado com o Ministério da Fazenda que haverá uma prorrogação da renegociação das dívidas dos alunos do Fies neste ano. Santana diz que tem trabalhado com o cruzamento de dados para entender quantos recém-graduados já têm uma renda e o porquê da inadimplência tão alta do Fies. "Uma coisa é não poder pagar, e outra é não pagar porque não quer", diz o líder da pasta em suas últimas entrevistas sobre o assunto. O ministro garante que haverá renegociações para a quitação das dívidas dos estudantes.
Ainda como forma de resolver a inadimplência, o MEC já aprovou uma lei para que médicos que fizerem residência médica na área de Família e Sociedade terem toda a dívida do Fies perdoada, como forma de estimular os médicos de família. A pasta concedeu também indenização por tempo de permanência em áreas mais vulneráveis, sendo que até 80% das dívidas dos médicos recém-formados pode ser liquidada com tal indenização.
Maior acessibilidade
A expectativa do mercado é de que a maior acessibilidade ao programa beneficie os grupos educacionais por ampliar as vagas das empresas. A XP Investimentos assume que 100% dos contratos do Fies serão assinados, o que significa que, mesmo que não haja aumento no número de contratos, com a ocupação total das 100 mil vagas disponíveis, serão pelo menos 40 mil contratos a mais no mercado. Mas a corretora tem uma expectativa ainda maior: "O número real de contratos que serão disponibilizados ainda é desconhecido, mas acreditamos que 200 mil parece ser uma suposição razoável, e achamos improvável que o número final seja inferior a 150 mil ou acima de 250 mil".
Para que tal potencial seja alcançado, o analista da corretora, Rafael Barros, espera um novo conjunto de critérios de elegibilidade, a fim de alcançar a população que atualmente não está se matriculando no ensino superior devido à falta de acessibilidade. Dessa forma, a análise é de que não haverá canibalização, pois o programa deve se concentrar em uma população que atualmente não está atingindo o ensino superior, trazendo assim volume adicional para as instituições privadas.
Já em relação ao tíquete médio das novas vagas, apesar dos preços variarem entre os grupos educacionais, o perfil do aluno financiado pelo Fies tende a ser homogêneo. Por isso, não se espera grandes diferenças na margem de contribuição entre as empresas.
"Vemos o potencial que o programa pode reduzir o custo de capital das empresas, uma vez que pode melhorar a geração de caixa e, assim, reduzir a alavancagem", diz Barros.
Formação de professores
O MEC quer usar o Fies também como forma de melhorar a formação inicial de professores. Por isso, criou um Grupo de Trabalho para desenhar uma nova política de formação de licenciatura. O objetivo é estimular uma graduação com maior presencialidade. Segundo a pasta, 86% dos cursos de pedagogia são à distancia.