Valor Econômico: Brasil, exportador de talentos e empreendedores
Em: 27 Março 2023 | Fonte: Valor Econômico
Disparidade de investimentos em P&D aumenta o êxodo de brasileiros
Segundo o Ministério de Relações Exteriores, 4,2 milhões de brasileiros residem no exterior. Em Portugal, o número de brasileiros cresceu pelo quarto ano consecutivo, atingindo em 2020 o recorde de 183.993 residentes, de acordo com o SEF - Serviço de Estrangeiros e Fronteiras de Portugal.
O portal consular do Itamaraty registra que 1,7 milhão de brasileiros estão nos EUA e cresce o número de profissionais qualificados que deixaram o país para morar e trabalhar lá. Em 2020, foram concedidos cerca de dois mil vistos de residência para profissionais com “habilidades excepcionais”, incluindo profissionais de saúde, de acordo com o Departamento de Estado dos EUA.
Pesquisa realizada em 25 países coloca a sociedade brasileira no topo do ranking mundial de desalento.
Há um boom na saída de profissionais de saúde para o exterior. A maioria vai em busca de valorização profissional e pelo investimento em pesquisas nesses países. São médicos, enfermeiros, dentistas, fisioterapeutas. Os países desenvolvidos estão carentes desses profissionais e ávidos por recebê-los.
Jovens cientistas também deixam o país. São líderes nas suas áreas, o tipo que não se quer ver sair do país, afirma Hugo Aguilaniu, diretor-presidente do Instituto Serrapilheira, no Rio de Janeiro. Portugal, Canadá, EUA, Emirados Árabes, Alemanha, Espanha, Austrália, Suiça, entre outros, são países que investem em pesquisas, têm Centros de Inovação respeitados internacionalmente, são atrativos para esses jovens.
A disparidade de investimentos em pesquisa e desenvolvimento aumenta a desigualdade entre o Brasil e outros países. Em 2019, os EUA investiram US$ 613 bilhões, a China US$ 515 bilhões, enquanto o Brasil investiu em 2017 (último dado obtido) US$ 38 bilhões. O Brasil tem menos de 900 pesquisadores por milhão de habitantes. Países da OCDE têm, em média, 4.000 pesquisadores por milhão de habitantes.
A pandemia acelerou a contratação de talentos brasileiros por empresa internacionais. Os profissionais sequer precisam sair do país para trabalhar no exterior. A tão falada fuga de cérebros é também virtual, o que potencializa ainda mais esse efeito. A competição por profissionais qualificados é cada vez mais acirrada, principalmente, na área de de tecnologia, mas também em marketing, infraestrutura e design. As empresas de recrutamento Robert Half, Michael Page e Randstad, entre outras, têm experiência nesse processo.
Empreendedores também vão. Instalam-se nos países desenvolvidos e administram suas empresas à distância ou as vendem à corporações e fundos de investimentos globais. E adeus, Brasil.
Lamentavelmente, se depender da vontade dos jovens brasileiros, o Brasil seria o país que mais exporta profissionais de talento para o mundo. A pesquisa realizada pelo Boston Consulting Group (BCG) indica que 75% dos 1.358 entrevistados desejariam trabalhar em outro lugar. 76% desses jovens tinham menos de 30 anos de idade e 82% possuíam pós-graduação. Outra consultoria, a Ipsos divulgou a pesquisa Broken-system Sentiment em 2021, realizada em 25 países, que coloca a sociedade brasileira no topo do ranking mundial de desalento.
Segundo dados da Receita Federal, o número de brasileiros que apresentaram declaração de saída definitiva do país aumentou a cada ano desde 2010. Naquele ano foi 8.170. Em 2014 aumentou para cerca de 15 mil. Desde então mantém-se em patamar entre 21 e 23 mil, excetuando 2020. Esse êxodo compreende muitos profissionais considerados excepcionais. É o fenômeno “brain drain”, fuga de cérebros, gerando benefícios financeiros para os países que os acolheram.
Entre outubro de 2012 e agosto de 2022, brasileiros investiram cerca de R$ 4,8 bilhões no programa dos vistos gold de Portugal, cuja principal forma de obtenção é a compra de imóveis no valor de €500 mil, (R$ 2,8 milhões) no país.
Estudar no exterior é uma porta para o êxodo e também para beneficiar a economia do país anfitrião. A NAFSA, a Associação de Educadores Internacionais, revelou que um milhão de estudantes internacionais que estudaram em faculdades e universidades nos Estados Unidos durante o ano acadêmico de 2021-22 contribuíram com cerca de US $ 33,8 bilhões para a economia dos EUA. Na França, 10 mil estudantes internacionais entrevistados contribuíram com cerca de € 5 bilhões (U $5 bilhões) para a economia francesa. No Reino Unido, calcula-se que esses estudantes renderam £ 28,8 bilhões (US$ 35 bilhões) ao país.
São muitos os motivos para esse êxodo, mas é consensual a falta de perspectiva no futuro do país. Isso causado pelo desarranjo político brasileiro e por uma economia instável que elimina a crença de que o país poderá se tornar uma nação desenvolvida. Entre 1980 e 2021, o país cresceu menos do que a média mundial ou de outras economias semelhantes.
A geração “nem-nem” reforça esse sentimento. É representada por brasileiros entre 17 e 29 anos e soma 12,3 milhões. 47% desses jovens desejam sair do país, segundo o Atlas da Juventude, coordenado pela FGV Social.
Outros motivos são repetitivos em pesquisas: elevado indicador de criminalidade e corrupção; serviços públicos de saúde, educação e segurança precários, obrigando as famílias de classe média a contratar serviços privados; dificuldade em abrir e sustentar negócios; oportunidades restritas para progredir na carreira em empresas privadas e o serviço público está inchado e ineficiente. Um país não progride com burocratas.
Além desses, um motivo que se destaca: a lamentável imagem que o Brasil é um país de golpistas. Proliferam golpes de toda natureza: em cartões de créditos e caixas eletrônicos, famílias com filho ‘sabidinho”; empresas com fins ou sem fins de lucros, em que acionistas e/ou conselheiros formam conluios para atender seus interesses pessoais, podendo envolver diretores; políticos com inúmeras estratégias para praticar corrupção, entre tantos outros inimagináveis num país educado, com baixo nível de corrupção.
O exposto retrata casos e fatos que, para um número cada vez mais crescente de brasileiros, o livro publicado em 1941, “Brasil, um país do futuro”, é uma ilusão que não se enxerga na realidade.
O custo da boa cidadania mostra ser alto demais para muitos que aqui vivem. A solução para reverter os problemas crônicos do país e, consequentemente, inibir a exportação de talentos, requer, fundamentalmente, conscientização patriótica, soluções dos problemas com visão de longo prazo, intolerância à corrupção, instituições públicas e privadas geridas profissionalmente.
Eduardo Carvalho é Harvard Advanced Leadership Fellow e Autor do Livro Por um Brasil Digno